O que é a Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica? Pneumologista esclarece

Em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, a pneumologista Raquel Marçôa explicou tudo sobre esta "doença sem cura, mas tratável". Alerta que Portugal é um dos países com maior percentagem de necessidades de saúde não atendidas em relação a esta patologia. Esta quarta-feira, assinala-se o Dia Mundial da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica.

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Adriano Guerreiro
20/11/2024 08:07 ‧ há 2 semanas por Adriano Guerreiro

Lifestyle

Entrevista

A Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) é a terceira causa de morte em todo o mundo e uma patrologia que muitos acabam por desvalorizar e até desconhecer. Por vezes, é complicado fazer uma destinção com uma pneumonia, mas no caso da DPOC apresenta-se como "uma doença sem cura, mas tratável", explica a pneumologista Raquel Marçôa.

 

Esta quarta-feira, assinala-se o Dia Mundial da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica. Em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, a especialista da Unidade Local de Saúde de Gaia/Espinho explicou tudo sobre esta patologia.

"A doença é mais grave quanto maior for a quantidade de sintomas e de exacerbações e quanto maior for o grau de obstrução na espirometria. As exacerbações têm um impacto negativo agravando o estado de saúde e o prognóstico", revela Raquel Maçôa.

Falou ainda dos principais fatores de risco, dos tratamentos possíveis, da falta de cuidados de saúde no país e da pouca sensibilização para a DPOC.

Notícias ao Minuto Raquel Marçôa, pneumologista na Unidade Local de Saúde de Gaia/Espinho
© Unidade Local de Saúde de Gaia/Espinho  
Como podemos definir a Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica?

A Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) é uma condição pulmonar caracterizada por sintomas respiratórios crónicos, como falta de ar, tosse e expetoração, que ocorrem devido ao dano pulmonar com consequente obstrução das vias aéreas persistente e muitas vezes progressiva. A DPOC é a terceira causa de morte a nível mundial e está associada a um impacto significativo na qualidade de vida, ao prejudicar a capacidade de realizar atividades diárias de rotina, o que pode levar a distúrbios do sono, ansiedade e depressão.

Também está associada a um impacto significativo na saúde e na economia devido a períodos de agravamento da doença (exacerbações) recorrentes que por vezes levam à hospitalização. 

Como se pode distinguir de outras doenças respiratórias, como é o caso da pneumonia?

A pneumonia consiste numa inflamação aguda do tecido pulmonar de origem infeciosa. Pode manifestar-se por febre, falta de ar, tosse com expetoração com dias de evolução. Na DPOC os sintomas respiratórios são persistentes, mas há períodos de agravamento (exacerbações) muitas vezes causados por uma infeção. Poderá ser difícil distinguir uma pneumonia de uma exacerbação da DPOC sendo a radiografia do tórax fundamental nesta situação.

Quais são os primeiros sintomas a que as pessoas devem estar atentas?

Falta de ar com o esforço, como por exemplo a subir um lanço de escadas ou a caminhar em subida, e que vai agravando de forma progressiva; tosse frequente e persistente, saída de muco com a tosse (expetoração) e infeções respiratórias frequentes.

A cessação tabágica é uma medida fundamental para alterar a evolução da doença Quais os fatores de risco?

O tabagismo é o principal fator de risco para a DPOC nos países de rendimento médio-alto, sendo responsável por 70% dos casos. Os restantes casos estarão associados a outros fatores como infeções durante a infância, mau desenvolvimento pulmonar (prematuridade, baixo peso), asma, entre outros. Nos países de baixo rendimento os fatores não associados ao tabaco são mais preponderantes, bem como a exposição a fumo de lareiras e fogões (poluição doméstica). A cessação tabágica é uma medida fundamental para alterar a evolução da doença, contribuindo para a diminuição dos sintomas, das exacerbações e da perda de função pulmonar. No entanto, mesmo os indivíduos que deixam de fumar mantêm alterações inflamatórias e estruturais nos pulmões continuando a ter a doença. 

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico é feito tendo em conta a presença dos sintomas referidos, identificação de fatores de risco, e espirometria a revelar uma obstrução das vias aéreas. A espirometria é um exame simples e não invasivo que avalia a função pulmonar. 

​Podem existir formas mais moderadas e graves desta doença?

A doença é mais grave quanto maior for a quantidade de sintomas e de exacerbações e quanto maior for o grau de obstrução na espirometria. As exacerbações têm um impacto negativo agravando o estado de saúde e o prognóstico. Encontram-se associadas a perda de função pulmonar, surgimento de eventos cardiovasculares, diminuição da qualidade de vida, hospitalização e morte. O principal fator de risco para a ocorrência de exacerbações é a história de exacerbações prévias. Assim, um dos grandes objetivos do tratamento da DPOC é a prevenção destes eventos. A presença simultânea de outras patologias (exemplo: arritmias, insuficiência cardíaca, diabetes, depressão, ansiedade) aumenta a gravidade do quadro.

Existe alguma forma de prevenção?

A evicção de fatores de risco, como o fumo do tabaco e a identificação de outros fatores em idades precoces juntamente com a realização de espirometria poderá prevenir a doença ou diagnosticá-la em idades mais jovens, em que o dano pulmonar é menor. No doente com DPOC é extremamente importante prevenir as exacerbações e consequente impacto negativo no prognóstico. A terapêutica inalatória adequada, a cessação tabágica, a vacinação e o uso de fármacos biológicos em doentes exacerbadores com eosinófilos no sangue aumentados contribuem para a prevenção das exacerbações. 

É uma doença sem cura. Como se pode viver com Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica?

Devido à sua natureza irreversível e progressiva, a DPOC provoca uma diminuição contínua da função pulmonar a cada exacerbação, levando a sintomas muitas vezes graves, como tosse persistente, falta de ar, fadiga e produção excessiva de muco que podem prejudicar a capacidade de realizar até mesmo atividades da rotina diária. Além do impacto físico, viver com esta doença devastadora também pode causar um efeito significativo na saúde mental, incluindo ansiedade, depressão e distúrbios do sono. A DPOC é, por isso, também apontada como a maior causa de morbilidade crónica.

Nalguns doentes poderá ser necessário o uso de oxigénio ou de um ventilador no domicílio.Pode ser parcialmente reversível com tratamento? De que tipo de tratamento falamos?

A DPOC é uma doença sem cura, mas tratável. O principal objetivo do tratamento é diminuir os sintomas e prevenir as exacerbações. Uma contagem elevada de eosinófilos está associada a um maior risco de exacerbações e readmissões hospitalares. No doente com DPOC é extremamente importante prevenir as exacerbações e consequente impacto negativo no prognóstico. A terapêutica inalatória adequada, a cessação tabágica, a vacinação e o uso de fármacos biológicos em doentes exacerbadores com eosinófilos no sangue aumentados contribuem para a prevenção das exacerbações. A reabilitação respiratória está associada a uma diminuição dos sintomas e aumento da qualidade de vida. Nalguns doentes poderá ser necessário o uso de oxigénio ou de um ventilador no domicílio.

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É, de alguma forma, hereditário?

O principal fator de risco genético para a DPOC identificado até à data é a deficiência de alfa-1 antitripsina (DAAT). 1 a 2% dos casos de DPOC serão devidos a DAAT grave. Esta condição caracteriza-se pela ausência ou produção em níveis anormais da proteína alfa-1 antitripsina sendo que, a falta dessa proteína, pelo papel importante que tem na proteção dos pulmões, pode levar ao desenvolvimento de DPOC. Segundo as guidelines da GOLD [Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease] e da Organização Mundial da Saúde, o doseamento sérico da alfa-1 antitripsina, que é uma análise simples e barata, deverá ser pedido a todos os doentes com DPOC.

Qual é a prevalência da DPOC em Portugal? 

A DPOC afeta cerca de 800 mil portugueses. Um em cada sete cidadãos com mais de 40 anos sofre desta patologia. Destes, uma parte significativa (1 em cada 14) apresenta formas moderadas a muito graves da doença.  Apesar de representar a quinta causa de morte em Portugal, mais de 70% dos portugueses nunca ouviram falar de DPOC. Com o objetivo de saber quantas pessoas com idade igual ou superior a 20 anos sofrem de DPOC em Portugal, qual o grau de gravidade da doença no nosso país e os fatores de risco associados surgiu o estudo EpiCOPD, uma iniciativa da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.

Existe um baixo nível de sensibilização para esta doença no país? O que se pode fazer em contrário?

Aumentar a consciencialização para a doença a nível da comunidade médica e não médica; identificar fatores de risco e promover o fácil acesso à espirometria. O diagnóstico precoce da DPOC terá um impacto significativo na saúde pública. É importante identificar outros fatores de risco além do tabagismo, reconhecer que a DPOC pode surgir cedo na vida e afetar indivíduos jovens e que existem condições precursoras. Isto abre novas janelas para a sua prevenção, diagnóstico precoce e rápida intervenção terapêutica.

Portugal é o país com maior percentagem de necessidades de saúde não atendidas em relação à DPOC, segundo dados de Index da DPOC. Porque é que isto acontece?

A DPOC representa 56% dos gastos em saúde com doenças respiratórias na União Europeia. No entanto, o investimento para fazer face a esta doença é de apenas 0,1% do orçamento dirigido às doenças respiratórias crónicas. A gestão inadequada leva a exacerbações com subsequentes internamentos ou eventos cardiovasculares e consequente aumento dos custos dos cuidados de saúde. Portugal regista uma das maiores percentagens de necessidades de saúde não atendidas (40%), resultantes de falta de inovação disponível, de barreiras financeiras, da distância dos serviços e longas listas de espera no SNS. 

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