Ricardo Salgado já foi identificado e autorizado a ir para casa. À saída, o advogado do ex-banqueiro criticou a justiça "que viola a dignidade" e classificou como "uma vergonha mundial" o que está a acontecer no julgamento do caso BES.
"Abriu-se uma página negra na justiça portuguesa, pelo menos diante de todo o mundo, porque isto não é um caso que interessa só a Portugal, e ficámos a saber como é que este tipo de pessoas com estas doenças, são tratadas num país civilizado e ficámos a saber como são tratadas num país incivilizado, que eu achava que Portugal não era", apontou aos jornalistas Francisco Proença de Carvalho, à saída do tribunal.
O advogado adiantou ainda que o relatório médico apresentado há uns dias indicava que "a presença dele [Ricardo Salgado] num tribunal seria irrelevante, porque não tem capacidade cognitiva para responder a questões minimamente complexas".
"Mesmo assim, o tribunal entendeu que o dr. Ricardo Salgado deveria estar aqui", criticou.
Recorde-se que a defesa do ex-banqueiro pediu a dispensa de marcar presença no julgamento, devido ao diagnóstico de doença de Alzheimer e a uma evolução desfavorável das condições de saúde, mas o tribunal recusou o pedido nos moldes em que foi apresentado, pelo que Ricardo Salgado teve mesmo de comparecer em tribunal.
"Na Rússia, talvez seja uma coisa apreciada"
"Uma justiça que humilha, que viola a dignidade de qualquer pessoa é uma justiça que viola a sua própria dignidade", acrescentou também. "Não entendermos isso só porque a pessoa se chama Ricardo Salgado, para mim é incompreensível aquilo que está a acontecer, e é uma vergonha mundial no mundo civilizado. Na Rússia, talvez seja uma coisa apreciada, mas aqui não."
Para a defesa, o que aconteceu nesta sessão confirma que Salgado não tem consciência de que hoje é o arranque do julgamento.
"Já apresentámos todo o tipo de relatórios, mas nós somos todos pessoas informadas. Isto é tudo grave: ou é intencional ou é desinformação", atirou.
Proença de Carvalho prometeu ainda que "fará tudo o que tiver ao seu alcance do ponto de vista processual para salvar a dignidade humana". "Regredimos em termos de direitos humanos", acrescentou.
"Esta pessoa não tem condição nenhuma de sobrevivência num ambiente neste género", considerou o advogado, que refletiu ainda não ter "alternativa" a recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos "se as coisas continuarem assim".
Já sobre o processo em si, o advogado do antigo banqueiro disse que "é uma ofensa" à história de Portugal ou do BES/GES falar numa "associação criminosa liderada ou construída por Ricardo Salgado".
"É muito fácil culparmos uma só pessoa do que descobrirmos a verdade", sugeriu. "O dr. Ricardo Salgado nunca se furtou enquanto pôde dar as suas explicações [...] e há um trajeto processual de factos que nós indicámos e entendemos que temos razão. Certamente que houve erros de gestão, certamente que houve erros de Ricardo Salgado, mas houve muitos erros também dos poderes públicos, e esses não são julgados normalmente em Portugal. É mais fácil centrar-se numa pessoa."
"O senhor dr. quer estar cá?"
Ainda de acordo com o advogado, Ricardo Salgado respondeu corretamente apenas ao nome, mas deu a morada errada e enganou-se no nome da mãe. Também não soube responder à sua data de nascimento.
Segundo o Observador, a juíza Helena Susano questionou ainda, sem obter resposta: "O senhor dr. quer que este julgamento - estamos num julgamento - seja feito na sua presença ou sem estar presente?".
"O senhor dr. quer estar cá?", continuou, ao que Salgado respondeu que não sabe.
O principal arguido conseguiu responder também à questão sobre qual era a sua profissão, tendo dito que foi banqueiro.
A presidente do coletivo de juízes, Helena Susano, perante a falta de oposição de Ministério Público e assistentes, autorizou o ex-banqueiro a deixar a sala de audiência pelas 10h25.
Entretanto, vários advogados pediram também que os seus clientes fossem julgados na sua ausência.
[Notícia atualizada às 11h32]
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